terça-feira, 1 de maio de 2007

Vacas


Ser feia não é um problema da feia. É um problema de quem diz que a feia é feia.
A vaidade, o interesse e o medo são as três motivações humanas. É só pensar bem e ser humilde – ou seja, ter clareza da realidade que nos cerca – que dá para perceber. O problema é que como queremos ser bons, companheiros e corretos não assumimos esta realidade, portanto, nos é difícil ser humildes.
As feias morrem acreditando que foram injustiçadas pela providência, pois, elas fazem regime quando necessário, fazem plásticas quando necessário, compram peitos de plástico ou trocam a coxa demasiado grande pelos seios demasiado pequenos quando necessário, pintam o cabelo quando necessário, e assim por diante. Sempre pontuais e disciplinadas em sua tarefa de cumprir com suas obrigações perante as exigentes normas de conduta estabelecidas.
Ser bonita é uma norma de conduta estabelecida.
Para que os bairros, as vilas, as cidades, os países, os continentes e, por fim, o nosso mundo, funcione organizadamente é necessária uma linha de conduta clara. Não é possível fazer o que se quer. Isto seria uma bagunça! Não se pode comer em enormes quantidades, nem dormir por horas a fio, nem matar seu opressor e muito menos desobedecer a um semáforo. Não. Impossível. Precisamos nos manter controlados. Alimentados na medida certa, descansados na medida justa, conformados sempre e obedientes. Temperança! Assim e, só assim, poderemos construir o lugar correto para se viver. Deste modo as feias têm o dever cívico de transformarem-se. Sim, as feias têm mais este encargo de cidadania em suas mãos.
Vacas não fazem hambúrguer, apesar de a vaca ser um hambúrguer em potencial. Mas isto, definitivamente, não é assunto que moleste, ou mesmo que faça parte, das já inúmeras preocupações da vaca. A vaca não é movida nem pelo medo, nem pela vaidade e nem pelo interesse. Apenas pasta e tenta viver, da melhor maneira possível, sua preciosa vida buscando, com a tranqüilidade exclusiva das vacas, resolver seus inúmeros problemas metafísicos. As vacas são humildes. Já o mesmo não ocorre com a feia.
A feia não vive o que é, porém, ela é recompensada a cada tentativa de ser o que não é – bonita (e é assim que ela prefere viver). Cada recompensa é um afago em seu tormento, é um reconhecimento e uma esperança de um mundo melhor. E, então, a feia cumpre, como poucos, seu importante papel cívico. Ser feia é quase uma benção! Sentir-se feia é o ápice do progresso!!!
A anorexia está na moda. Para ser moderna é preciso ser anoréxica - anoréxica com seios grandes, detalhe importante. Detalhe ainda mais fundamental é o de fingir-se nunca ser digna de nenhum elogio! “Eu não mereço” ou “Gostaria de dedicar este prêmio ao fulano (sempre no masculino) pois, sem ele, eu não estaria aqui”.
As baleias estão em extinção,mas, ninguém quer ser baleia. Mundo de sereias o nosso...
Eu, pessoalmente, prefiro o mundo das baleias. Não que eu seja humilde, afinal não sou vaca, porém, me é mais fácil ver o mundo da altura de meus olhos. Esta mediocridade me é característica. Preguiça ancestral... Hereditária. Portanto, fora de meu alcance controlar.
Não cumpro meu dever cívico. Não tenho forças o suficiente para esforçar-me em ser bonita, atraso-me em minhas obrigações, decepciono àqueles que esperam o meu melhor resultado. Como demais, durmo infinitamente, ainda não matei meu opressor por falta da oportunidade ideal e não dou a mínima atenção aos semáforos. Por outro lado os elogios me parecem sempre distorcidos. Não vão de encontro ao acontecido nunca. Ou são demasiado superficiais ou demasiado eloqüentes. Mas não pensem que é fácil assumir estes imperdoáveis defeitos. De maneira alguma! É uma luta, um martírio. Cada um com sua cruz. O pior é dormir tranqüila apesar de ter plena consciência de que não estou cumprindo com meu dever de cidadã... Justo eu que gosto tanto desta palavra: cidadania!
Eu sei que sou feia. Porém, em virtude de minha mediocridade não vejo problemas nisto, assim, não sou recompensada, mas também, não sou castigada. Fico em paz. Na paz de um pasto hipotético imaginando dois belos cornos sobre minha cabeça e tentando, sem afinco nem disciplina, viver a vida sem importar-me com seus inúmeros problemas metafísicos.
Não gostaria de ser vaca. Gostaria de ser hambúrguer.

Marcia Bernardes

Kapota

Um comentário:

Anônimo disse...

hey bonita!
estou de olho no seu texto!
besos
peri