segunda-feira, 7 de maio de 2007


Estátua

Tinha uma menina. Tinha um medo grande grande de barata. Um medo que virava desprezo de tão enormemente medo era. Na hora de matar não matava não. Ia embora, saía andando, como se não tivesse visto, como se não tivesse medo nenhum e ver a barata fosse uma coisa normal, simples, tranqüila.
Daí, ela leu que se misturasse gesso de pó junto do veneno dava para fazer estátua de barata... A barata comia o veneno de gesso e endurecia todinha por dentro. Aos poucos. Tão devagar que nem se dava conta e continuava sua vidinha de barata até parar de vez, sem saber que já tinha virado estátua... Que estava pesada, dura, fria. Estátua feliz na sua ignorância do gesso dentro das tripas.
O medo era de barata e não de estátua. Estátua bota medo em quem? Só mesmo as de cemitério... Só que a menina de medrosa compensava no raciocínio. Ela sabia que no cemitério tinha estátua só para dar uma impressão de habitamento por cima da terra que cobre o mundo inabitado de outros aléns. Estátua não morre nem acaba. Nunca.
Sempre que se diz estátua aparecem cinco crianças correndo. Aparece uma que fala gritando: ESTÁTUA. E todas as outras quatro se solidarizam com a barata e metem um gesso imaginado nas tripas. Felizes estátuas na sabedoria da vida de brincar.
Compensando no raciocínio a menina descompensava na percepção rápida das coisas. Aquele tipo de percepção que qualquer pessoa deve ter para sobreviver e ser um vencedor. Por exemplo, quem é vencedor não come o gesso, mas, fabrica o gesso. Produz em larga escala para distribuição interna e exportação. Antes de qualquer coisa é preciso vencer. Mesmo morto é preciso ser morto vencedor. No céu não tem nuvem para perdedor. No inferno só tem água para vencedor.
Aquele que vence é aquele que nunca perde. Em cima do muro só ficam os ovos porque eles são muito complicados de se entender.
Para ter rapidez na percepção das coisas não dá tempo de perceber nada porque senão já demorou demais e tudo já se foi a perder de vista, a perder das mãos, fora de controle.
Vencer é controlar. Controlar é possuir.
É preciso ter sangue de barata para comer o gesso. Porque a imobilidade da barata pressupõe o esforço de alguém que deve recolhê-la. Deixar baratas no meio do caminho é sinal de vitória. Recolhê-las é sinal de derrota. Comer o gesso é um sinal.

Marcia Bernardes

Kapota

Um comentário:

Anônimo disse...

Queridos Kapotas,
Sintonizada no mugido das vacas, havia escrito o texto da vaca voadora. Divido com vocês. Beijo!

VACA VOADORA

Eis que surge sobrevoando pelo pasto uma vaca voadora. Malhada furta-cor, furta os olhares ruminantes de todos seus amantes. Vaca voadora observa a cerca que não precisa saltar. Sem limites e fronteiras mira os pastos do mundo. Mira as vaquinhas de presépio prostradas e resignadas. Vaca voadora espelha reflexos de suas mil cores. Cega alguns olhares de espanto. Vaca voadora defeca lá do alto. Mira? Bem na sua, colega bovino. É hora de dormir. Boa noite. Sonhe com ela... a vaca voadora.