segunda-feira, 28 de maio de 2007


Escrevendo o fluxo de pensamento. O fluxo de sangue não chegou ainda. O que carrego dentro de mim, mistério do mundo. Sinto o peso e a delícia de estar encarnando, de ser carne por dentro e por fora. Meus pés pisam no chão, há gritos dentro de mim, são gritos fortes, densos. Harmônicos vindos de outros planetas encarnam os meus gritos, como meus músculos envolvem meus ossos. Há sangue em mim, por toda eu. Meu cântaro, meu ventre, feito veludo vermelho vital. Não sei o que está acontecendo com o meu corpo, ele enfraquece e se fortalece bebendo energia do mundo, quase como ondas. Ele está pleno, redondo, tremendo, tem medo, tem pavor, tem curiosidade infinita. Ele é mais do que sou e é eu. Eu devo ser mais do que sou. Eu estou sendo mais do que sou, mais do que sociedade e cultura, mais do que número de identidade, nome, apelido, história; mais do que penso, do que sinto, do que significo para mim mesma. Mas como posso caber neste incabível? Como posso ter a coragem de escrever isto? Tenho mais: quero inventar tudo de novo, a vida, minhas mãos contendo a mim. Construir paredes, derrubar todas as paredes. Viver em campo aberto, viver vento, sol, frio, lua, molhar de chuva, secar, brotar, espalhar coisas por aí: canções, palavras, beijos, cheiros, sementes, idéias, personagens, ancestrais. É, espalhar meus ancestrais por aí, abrir meu baú lotado de ancestrais, arejar meus ancestrais, deixar meus antigos serem novos antigos. Quero ver ao revés do meu avô materno, o que ele poderia ter sido se não tivesse sido o que foi. Só muita dor para escrever isso, de onde veio essa dor? Gosto de pensar no que ele foi, no que acho que ele foi. No que ele é, ardente na minha toda memória. Mas não me engano, ele foi muito mais do que posso imaginar. Todos os dias da vida dele, uns 100 anos vezes 365 dias, mais anos bissextos, vezes 24 horas. Horas de guerra, horas de paz. 100 anos tendo que ser, mesmo dormindo, sonha-se. Ser a cada segundo, a cada primeiro. Inventar minha mãe, me inventar, sem precisar entender como, sem poder. Ser é criar tudo, a cada instante, só sendo. Corro agora, caio rolando violentamente. Nada é tão suave como a sensação de cansaço físico depois de esgotar toda a energia no movimento. Nada é tão pulsante. Canso de intensidade, mas quero continuar intensa. Se eu for morna, me morro. Quero ir até o mais profundo, o mais doloroso, o mais estrondosamente pleno, feliz, delicioso. O fundo do prazer, a liberdade. Quero me libertar das aflições que eu mesma crio para mim e para quem está ao meu redor; acho que as crio para não correr o perigo de ser plenamente, que é quase ou totalmente: não ser. Então fico sendo, sendo, sendo, pensando, pensando, pesando, achando certo ou errado, bom ou ruim, louco ou normal, julgando, julgando, dando nós e mais nós. Quero me esquecer só um pouquinho. Dar uma saidinha,volto já. Ou não, ou não. Quero parar de achar que sou enrolada, que sou confusa. Eu amo. Eu dôo. Eu dou. Eu recebo. Canto. Ando. Eu vôo. Em espirais, elipses, curvas, em estúpidas retas. Me gosto assim. Agora. Sim.

Estou aprendendo com você.

São Paulo, 7 de junho de 2006 (muito de ler Clarice Lispector nisto...)

Tânia Grinberg

Esta querida amiga é outra parceira de mugidos! Desfrutem!!!

Um comentário:

Tânia Grinberg disse...

obaaaaa! que friozinho na barriga. Alegria! Parcerrrrrria! Beijos, queridos!